terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Bíblia?

Devo-lhe dizer que foi exatamente por estudar a Bíblia profundamente e pesquisar a respeito dela que eu cheguei à conclusão contrária, ou seja, de que a Bíblia não é a palavra de Deus e nela não está contida nenhuma verdade divina, lógica e imutável. Não faz sentido você chamar o Novo Testamento que hoje temos em mãos de "Evangelho original", pois os manuscritos mais antigos que possuímos datam a maior parte do III e IV Séculos d.C., ou seja, já são cópias de cópias de cópias de cópias... e com muitas versões diferentes; são textos que sofreram muitas alterações textuais por copistas preocupados em assegurar que os manuscritos dissessem o que eles queriam, por causa das muitas disputas teológicas daquela época (havia diversos grupos cristãos afirmando teologias discordantes baseadas em diversos textos escritos, todos reivindicando terem sido escritos pelos apóstolos de Jesus). Embora os pesquisadores façam estimativas discordantes quanto ao total de variantes atualmente conhecidas nos manuscritos do Novo Testamento (alguns falam de 200.000 variantes conhecidas, outros de 300.000, e outros de 400.000 ou mais); mesmo se considerarmos o número mais baixo levantado, não há como negar que 200.000 variantes é muita coisa para textos que são tidos como "inerrantes".
Copiar textos favorecia as chances de erros manuais e o problema era amplamente reconhecido em toda a Antiguidade. Por exemplo, Orígenes (185-254 d.C.), um padre da Igreja do século III, uma vez registrou a seguinte queixa, acerca das cópias dos Evangelhos de que dispunha:
"As diferenças entre os manuscritos se tornaram gritantes, ou pela negligência de algum copista ou pela audácia perversa de outros; ou eles descuidam de verificar o que transcreveram ou, no processo de verificação, acrescentam ou apagam trechos, como mais lhes agrade."
(Bart D. Ehrman. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Quemmudou a Bíblia e por quê. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2005, p.207-208).
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E mais de 100 anos depois, o papa Dâmaso estava tão preocupado com a variedade de manuscritos latinos que encarregou Jerônimo de produzir uma tradução-padrão; e o próprio Jerônimo teve de comparar numerosas cópias do texto, em latim e grego, para decidir qual texto ele pensava ter sido originalmente redigido pelos autores.
Como na Antiguidade a única maneira de copiar um livro era fazê-lo à mão, letra a letra, por meio de um processo demorado, era inevitável que os poucos livros que eram produzidos em cópias múltiplas diferissem entre si, porque aqueles que copiavam textos, acabavam por fazer alterações neles -mudando as palavras que copiavam, tanto por acidente (por causa de um escorregão da pena ou por alguma outra falta de cuidado) como por decisão consciente (quando o copista alterava propositadamente as palavras que copiava). Muitas dessas alterações textuais eram teologicamente motivadas, porque muitos copistas preocuparam-se em assegurar que os manuscritos dissessem o que eles queriam, por causa das muitas disputas teológicas daquela época. Uma das variantes mais intrigantes em nossos manuscritos ocorre em um relato do batismo de Jesus por João, justamente o ponto onde muitos cristãos adocionistas insistiram que Jesus foi escolhido por Deus para ser seu filho adotivo.
Mas em que exatamente acreditavam os cristãos adocionistas? Um grupo cristão primitivo adocionista muito conhecido, era uma seita de judeus-cristãos chamados ebionitas. Como eram monoteístas estritos - acreditavam que só Um podia ser Deus -, afirmavam que Jesus não era ele mesmo divino, mas um ser humano que, em "natureza", não era diferente do resto de nós: nascera da união sexual de seus pais, José e Maria. Para os ebionitas, Jesus não nasceu de uma virgem, não preexistiu, nem era divino. Por ser um homem especial e justo, Deus o adotara como filho por ocasião de seu batismo, quando uma voz veio dos céus anunciando ser ele filho de Deus. Foi a partir daí que Jesus se sentiu chamado para a missão que Deus lhe designara.
Já os cristãos proto-ortodoxos insistiam que Jesus nasceu de uma virgem e que não era "meramente" humano, era realmente divino e, em certo sentido, o próprio Deus. Como era diferente por natureza, era mais justo do que qualquer outro ser. Por ocasião de seu batismo, Deus não o tornou seu filho (via adoção), mas simplesmente declarou que ele era seu filho, dado que sempre o fora, desde os tempos eternos.
Copistas cristãos que se opunham à visão adocionista muito provavelmente modificaram o relato do batismo de Jesus por João, justamente o ponto no qual muitos adocionistas insistiram que Jesus foi escolhido por Deus para ser seu filho adotivo. No Evangelho de Lucas, assim como no de Marcos, quando Jesus é batizado, os céus se abrem, o Espírito desce sobre Jesus em forma de pomba e uma voz vem do céu. Mas os manuscritos do Evangelho de Lucas se dividem acerca do que a voz teria dito exatamente.
"Tu és meu Filho amado, em quem me comprazo" (Marcos 1,11; Lucas 3, 23) Mas em um manuscrito grego primitivo e em vários manuscritos latinos a voz diz:
"Tu és meu Filho, hoje eu te gerei".
Será que "hoje eu te gerei" não sugere que o dia do batismo de Jesus é o dia que ele se tornou o Filho de Deus? Sem dúvida alguma esse texto poderia ser usado por um cristão adocionista para defender que Jesus se tornou Filho de Deus no momento do batismo.
Uma pergunta é inevitável: Quais dessas duas formas do texto é a original e qual representa a alteração? Alguns podem se apressar e dizer que, como a maioria dos manuscritos gregos traz a primeira variante "Tu és meu Filho amado, em quem me
comprazo", então esta deve ser a forma original. O problema é que a forma "Tu és meu Filho, hoje eu te gerei" era citada demais pelos primeiros padres da Igreja no período anterior ao da produção da maioria de nossos manuscritos. Ela é citada nos séculos II e III por toda parte, de Roma a Alexandria, da África do Norte à Palestina, da Gália à Espanha.
Vejamos alguns exemplos das diferentes teologias da época:
- Alguns desses grupos cristãos insistiam em que Deus criara este mundo; outros mantinham que o Deus verdadeiro não criou este mundo (por ser um lugar ruim), mas que ele era o resultado de um desastre cósmico.
- Alguns grupos insistiam que as escrituras judaicas tinham sido
entregues pelo próprio Deus uno e verdadeiro; outros reivindicavam que as escrituras judaicas pertenciam ao inferior Deus dos judeus, que não era o Deus uno e verdadeiro.
- Havia grupos que insistiam que Jesus Cristo era o Filho único de Deus, ao mesmo tempo completamente humano e completamente divino; outros grupos insistiam em que Cristo era completamente humano, mas não era divino de todo; outros defendiam que ele era completamente divino, mas não integralmente humano; e outros ainda afirmavam que Jesus Cristo era as duas coisas - um ser divino (Cristo) e um ser humano (Jesus).
- Alguns grupos acreditavam que a morte de Cristo trouxe ao mundo a salvação; outros mantinham que a morte de Cristo nada teve a ver com a salvação deste mundo; outros grupos ainda insistiam em que Cristo nunca chegou a morrer realmente. (Bart D. Ehrman. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Quem mudou a bíblia e por quê. Rio deJaneiro: Ediouro Publicações, 2005, p. 207-208).
Muitos desses pontos de vista, e muitos outros além desses, eram tópicos de debates constantes, de diálogo e de discussões nos primeiros séculos da Igreja, sendo que cristãos de várias doutrinas tentavam convencer os outros da verdade de suas próprias pretensões. Mas no fim, só um grupo "venceu" os debates. Foi o grupo que decidiu que os credos cristãos assim
seriam:
- Há um só Deus, o Criador.
- Jesus, seu Filho, é divino e humano, e a salvação nos veio por sua morte e ressurreição.
No decorrer dos séculos II e III, embora todos os livros do Novo Testamento já estivessem escritos, ainda não havia Novo Testamento algum, pois não havia acordo quanto a um cânone, nem quanto a uma teologia. O cânone do Novo Testamento não surgiu simplesmente de um dia para o outro, nem logo após a morte de Jesus. Havia muitos outros livros reivindicando que seus autores eram os próprios apóstolos de Jesus (outros evangelhos, atos, epístolas e apocalipses), com muitas perspectivas diferentes das que se encontram nos livros que, por fim, vieram a ser chamados de Novo Testamento. A primeira vez que um cristão listou os 27 livros de nosso Novo Testamento foi na segunda metade do século IV. Esse cristão foi um poderoso bispo de Alexandria, chamado Atanásio. Em 367 d.C. ele escreveu sua carta pastoral anual às igrejas egípcias, sob sua jurisdição, e nela incluiu um conselho acerca de quais livros deviam ser lidos como Escritura nas igrejas. Ele, então,relacionou os 27 livros que compõem o Novo Testamento tal qual o temos hoje, excluindo todos os demais. Mas nem o próprio Atanásio resolveu a questão de uma vez por todas, pois os debates continuaram durante décadas. Os livros que hoje chamamos de Novo Testamento só foram reunidos em um cânone e declarados Escrituras bem mais de 400 anos depois de Cristo!!!
É a este Novo Testamento que você está chamando de "o evangelho segundo a Bíblia" e "evangelho original". Mas, como acabei de lhe mostrar, de "original" ele não tem nada, pois o que temos hoje são cópias de cópias de cópias que sofreram muitas alterações textuais por copistas preocupados em assegurar que os manuscritos dissessem o que eles queriam, ou seja, alterações textuais teologicamente motivadas por causa das muitas disputas doutrinárias daquela época. As grandes mudanças que ocorreram nos manuscritos do Novo Testamento, e o fato de não termos os originais, destroem completamente o princípio dos Protestantes que consultam a Bíblia na forma em que a temos hoje. Se os escritos do Novo Testamento não são seguros, que dizer da fé baseada neles?
Bart D. Ehrman (Ph.D. em Teologia pela Universidade de Princeton) é um ex-evangélico que hoje é considerado um dos maiores especialistas do mundo em Novo Testamento, igreja primitiva, ortodoxia, heresia e manuscritos antigos. Ele foi um cristão "nascido de novo" que considerava a Bíblia como palavra infalível de Deus, integralmente inspirada, até que seus estudos do Novo Testamento grego e suas pesquisas dos manuscritos que o contêm o levaram a repensar radicalmente o seu entendimento do que é a Bíblia. Veja o que ele fala a respeito:
"A convicção de que os copistas mudaram as escrituras foi se 10 transformando em uma certeza crescente, à medida que eu estudava mais o texto. E essa certeza transformou o meu modo de entender o texto em mais de um aspecto.
Em particular, como eu disse desde o princípio, comecei a ver o Novo Testamento como um livro demasiadamente humano. Eu sabia que o Novo Testamento, na forma de que dispomos atualmente, era produto de mãos humanas, as mãos dos copistas que o transmitiram. Depois, comecei a ver que não era só o texto copiado pelos escribas que era demasiadamente humano, mas o próprio texto original. Isso se opunha abertamente ao meu modo de considerar o texto no fim de minha adolescência, como um cristão "renascido", convicto de que a Bíblia era a Palavra Infalível de Deus e de que as próprias palavras bíblicas tinham vindo até nós por inspiração do Espírito Santo. Durante a faculdade, vim a entender que, mesmo que Deus tenha inspirado as palavras originais, nós não as temos mais. De modo que a doutrina da inspiração era, em certo sentido, irrelevante para a Bíblia que nós temos, uma vez que as palavras de Deus tidas como inspiradas tinham sido mudadas e, em alguns casos, perdidas. Além disso, comecei a pensar que minhas antigas posições acerca da inspiração eram não só irrelevantes; provavelmente eram também erradas. Pois a única razão (pensava eu) de Deus inspirar a Bíblia seria para seu povo ter as suas palavras reais; mas se ele queria que as pessoas tivessem suas palavras reais, certamente poderia ter preservado miraculosamente essas palavras, assim como primeiramente as inspirara milagrosamente. Dadas as circunstâncias de que não preservou as palavras, a conclusão me pareceu inevitável: ele não se deu ao trabalho de inspirá-las." (Bart D.Ehrman. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Quem mudou a bíblia e por quê. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2005, p. 281-282).
A questão da salvação, outro equívoco.
Agora, vamos fazer algumas considerações a respeito da "salvação pela fé".A doutrina teológica central das igrejas evangélicas ensina a salvação pela fé através da graça, por acreditar que Jesus morreu na cruz por nossos pecados. Entretanto, esta forma de salvação NÃO é ensinada em Mateus, Marcos e Lucas (Evangelhos Sinóticos), que são os Evangelhos mais antigos, embora se tratem de cópias de cópias, conforme já falamos. O Evangelho de Marcos é considerado o mais antigo, seguido pelo de Mateus e Lucas, e então pelo de João (escrito cerca de 90 anos d.C.). A doutrina da salvação pela fé e redenção vem do livro de João, o último Evangelho a ser escrito. Nos Evangelhos Sinóticos, NÃO HÁ UMA ÚNICA PALAVRA sobre ter que acreditar em Jesus a fim de ir para o céu. Com exceção de Marcos 16:16, que é considerado pela maioria dos estudiosos bíblicos como uma interpolação, ou uma falsificação, considerando que muitos dos primeiros manuscritos do Evangelho de Marcos não contêm este versículo, Marcos nunca escreveu nada sobre ter que acreditar que Jesus morreu por você ou sobre "salvação pela fé". Os Evangelhos Sinóticos começaram a ser escritos por volta de 50 anos depois de Cristo. Se "ter que crer em Jesus para ser salvo" fosse a doutrina máxima do Cristianismo daquele tempo, por que é que Mateus, Marcos e Lucas não falam nada a respeito disso? Teriam omitido algo tão importante?
De fato, Jesus disse que tudo o que você tem que fazer para Deus perdoar os seus pecados é isto:
Mateus 6:14 "Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará"
Quando alguém pergunta a Jesus diretamente o que ele tinha que fazer para ser salvo e ter a vida eterna, Mateus claramente registra uma salvação pelas obras:
Mateus 19:16-21 "E eis que alguém, aproximando-se, lhe perguntou: Mestre,que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me perguntas acerca do que é bom? Bom, só existe um. Se queres, porém,entrar na vida, guarda os mandamentos. E ele lhe respondeu: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho; honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Replicou-lhe o jovem: Tudo isso tenho observado; o que me falta ainda? Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos
pobres, e terás um tesouro no céu.
Ainda em Mateus, Jesus pregou sobre as bem-aventuranças que enfatizam que aqueles que têm bom caráter e boas atitudes herdarão o Reino de Deus, que é uma outra maneira de dizer que eles irão para o céu.
Já no Evangelho de João, que foi escrito mais ou menos 40 anos depois do Evangelho de Mateus, nós temos versículos tais como:
João 3:16 "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".
João 3:18 "Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado,porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus".
João 3:36 "Por isso quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus".
João 8:24 "Por isso eu vos disse que morrereis nos vossos pecados; porque se não crerdes que eu sou morrereis nos vossos pecados".
João 11:25 "Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá".
Agora dê uma olhada no livro de Marcos. Ele também não menciona que você tem que acreditar em Jesus para ser salvo, exceto por um versículo no último capítulo de Marcos:
Marcos 16:16 "Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado".
Entretanto, repito, a maioria dos estudiosos acredita que este versículo é uma interpolação, ou uma falsificação, considerando que muitos dos primeiros manuscritos do Evangelho de Marcos não contêm este versículo, e além disso ele não se encaixa com todo o resto de Marcos que não ensina a "salvação pela fé". Tirando a parte da interpolação, Marcos 12 nunca escreveu nada sobre ter que acreditar que Jesus morreu por você, sobre salvação pela fé ou sobre o conceito de redenção. Do mesmo modo, o Evangelho de Lucas é também como o Evangelho de Mateus e de Marcos e não menciona crença na "salvação pela fé".
É claro que os evangélicos responderão dizendo que temos que colocar todos os Evangelhos juntos para se obter a história completa. Porém, os Evangelhos Sinóticos começaram a ser escritos só por volta de 50 anos depois de Cristo, portanto, se a doutrina da salvação pela fé fosse ponto central da pregação de Jesus, não era de se esperar que tanto Mateus quanto Marcos e Lucas escrevessem sobre isto de maneira muito clara em seus
evangelhos? Por que ela não é mencionada de modo algum nos três primeiros Evangelhos? A razão lógica nos diz que eles nunca ouviram tal coisa e nem apoiavam tal ideia, porque ela só se desenvolveu mais tarde quando os primeiros líderes cristãos decidiram adicionar tal doutrina, no então Evangelho de João.
O Evangelho de João foi o resultado do desenvolvimento da teologia da igreja daquele tempo. É neste livro que encontramos os versículos sobre salvação pela fé, sobre nascer de novo, sobre redenção, e sobre ter que acreditar que Jesus morreu por nossos pecados. Em muitas de suas páginas, você encontrará Jesus dizendo algo sobre ter que acreditar nele. Quando os evangélicos citam versículos do Evangelho sobre ser salvo, eles sempre se referem a João. Não é de se surpreender que para muitos evangélicos o Evangelho de João é o favorito. Todos os versículos mencionados sobre ter fé e acreditar em Jesus são do Evangelho de João. Mas é muito estranho que apenas no último Evangelho a ser escrito, que surgiu cerca de 90 anos d.C., seja o único a falar sobre "termos que acreditar em Jesus" para sermos salvos, isso ninguém pode negar.
A Teologia da Salvação se desenvolveu no meio da Igreja enquanto os livros e cartas do Novo Testamento ainda estavam sendo escritos. Repare que, de acordo com Marcos, Cristo era
um homem; mas, de acordo com Mateus e Lucas ele era um semideus; enquanto João insiste que ele era o próprio Deus. É interessante notar que Lucas, em seu Evangelho, por não ter
conhecido Jesus pessoalmente, fez uma acurada investigação colhendo relatos das testemunhas oculares, e escreveu então a Teófilo um relato em ordem sobre tudo o que se passou. Dos Evangelhos Sinóticos, o de Lucas é o que foi escrito de maneira mais organizada. Ele fez o que um repórter faria hoje em dia. Entrevistou as testemunhas oculares que presenciaram tudo o que aconteceu na morte e ressurreição de Jesus e que também relataram tudo o que o Mestre ensinou. E o interessante é que no relato das testemunhas oculares, NÃO HÁ NADA sobre "ter que acreditar em Jesus" para ser salvo. Isto não é estranho?
Porém, em Atos dos Apóstolos, Lucas passa a falar sobre "salvação pela fé" e não é muito difícil adivinhar o porquê disso - ele era companheiro e colaborador do apóstolo Paulo, aquele cuja ênfase da pregação é a "salvação pela fé". É óbvio que quando Lucas escreveu Atos dos Apóstolos, ele já estava sob forte influência das ideias paulinas. A ênfase da pregação
de Paulo está na salvação pela graça, pela fé e não pelas obras, como vemos em:
Efésios 2:8-9 "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie".
Entretanto, Paulo jamais se encontrou com Jesus ! Ele também nunca escreveu nada sobre o que Jesus disse. E considerando que ele nunca esteve com o Cristo histórico, ele obviamente não sabia e nem era qualificado para nos contar o que o Cristo histórico tinha ensinado quando esteve na Terra.
Em compensação Tiago, que segundo a Bíblia Anotada por Scofield (Protestante), era irmão de Jesus (Mt. 13:55; Mc. 6:3; Gl. 1:18-19 "Decorridos três anos, então subi a Jerusalém para avistar-me com Cefas, e permaneci com ele 15 dias; e não vi outro dos apóstolos, senão a Tiago, o irmão do Senhor"), e foi o chefe da primeira igreja cristã em Jerusalém, além de ter sido irmão de sangue de Jesus e ter convivido com o Mestre, é conhecido como o apóstolo das obras, pois a ênfase de sua carta está nas boas obras:
Tiago 2:14 "Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode acaso semelhante fé salvá-lo?
Tiago 2:17 "Assim também a fé, se não tiver obras, por si só está morta"
Aqui há, claramente, duas doutrinas opostas em jogo... qual devemos seguir? A que nos é ensinada nos Evangelhos Sinóticos e por Tiago; ou a que está no Evangelho de João,último Evangelho a ser escrito (cerca de 90 anos d.C.) e os ensinos de Paulo que não conviveu e nem conheceu o Jesus histórico? Este é um questionamento justo, não acha?
Os evangélicos sempre argumentam que, se todos os homens deverão salvar-se, como o Espiritismo afirma, então seria inútil a pregação do Evangelho para que essas pessoas se convertam. Só que se esquecem de raciocinar que, com a doutrina da "predestinação", seria ainda mais inútil pregar-lhes, uma vez que os que deverão ser salvos já estão predestinados a isso, desde a fundação do mundo. A doutrina da "predestinação", defendida pelo apóstolo Paulo, afirma que Deus teria escolhido desde a eternidade aqueles que deverão ser salvos.Veja:
Efésios 1:11 "Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas,segundo o conselho da sua vontade".
Romanos 8:30 "E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou."
Mas se Deus já predeterminou quem será e quem não será salvo, então qual o sentido da pregação? Para que perdermos tempo pregando "a salvação pela fé em Jesus" se, de antemão, os eleitos e os rejeitados já foram escolhidos??? E não podemos deixar de perguntar onde está a justiça desse Deus, que escolhe alguns privilegiados para a salvação e condena os demais, sem dúvida a maioria, a tormentos sem fim no inferno? Se Deus escolhe de antemão aqueles que serão salvos, é claro que, por exclusão, escolhe também os que serão perdidos. Se Deus "não faz acepção de pessoas",como vemos em Atos 10:34 e Romanos 2:11, como explicar a doutrina da "predestinação"?
Tentando sair dessa "saia justa", alguns evangélicos partidários do "livre-arbítrio", baseando-se em 1 Pedro 1:1,2 "Pedro,apóstolo de Jesus Cristo, aos estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia; eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas" justificam que Deus não escolheu ninguém de antemão, pois as pessoas têm a liberdade de aceitar a Cristo ou não; mas por ser presciente Deus já saberia quem seriam as pessoas que se salvariam. Mas então por que Deus persistiria em criar incessantemente tantos milhões de almas, se a maioria delas tem por destino a perdição eterna? Por que um Deus onipotente e onisciente criaria um mundo sabendo de antemão que a grande maioria das pessoas que viriam a nascer terminariam no inferno de sofrimento eterno, nas mãos do seu inimigo? Por que Ele perderia tempo em criar tal mundo, sabendo que estaria entrando em um péssimo investimento? Será que faz sentido criar bilhões e bilhões de pessoas estando ciente de que elas passarão a eternidade no inferno? Não seria mais lógico que Deus não as tivesse criado?
Winston Wu é um ex-cristão fundamentalista que fez um cálculo muito interessante que não podemos deixar de levar em conta. Vejamos o que ele diz:
"Estima-se que 1/5 das pessoas do mundo se consideram cristãos. Se dermos a eles o benefício da dúvida e considerarmos que todos sejam sinceros e salvos, então temos que fazer uma consideração. Levando em conta que só os cristãos salvos vão para o céu, enquanto o resto para o inferno, então um bebê nascido ao acaso neste mundo teria uma chance de 80% ou mais de acabar no inferno, e apenas 20% ou menos de chance de ir para o céu. Seria assim porque a maioria das pessoas não se tornam cristãs em seu período de vida, e o número de cristãos é por volta de 1 bilhão em um total de 5,5 bilhões de pessoas. Se um bebê tiver que passar por isso, não seria melhor que ele nem nascesse? (Não 14 justificaria o aborto?) Por que deixar um bebê vir a este mundo com 80% ou mais de chance de ir parar no inferno sendo torturado com fogo e enxofre eternamente? De fato, sob essas condições, seria muito melhor que ninguém nascesse; não é verdade? Tomando por base o que foi dito acima, você poderia imaginar que toda vez que você visse um bebê nascer ou alguma mulher grávida, ao invés de dar as boas vindas a uma nova vida, você pensaria: "Oh não! Mais um com 80% de chance de queimar no inferno eternamente!" Você passaria a amaldiçoar todas as mães em geral porque elas continuam trazendo ao mundo almas que em sua maioria provavelmente serão condenadas a uma agonia e tortura para sempre! Você pode compreender ou aceitar isto? De fato, por que Deus daria vida a um recém-nascido se ele teria 80% de chance de queimar no inferno eternamente???!!! Ele não deveria parar?!" (Winston Wu. Refutando Argumentos de Cristãos Fundamentalistas e Evangelistas1).
Nesse caso, Ele criaria 100% dos espíritos, ficaria com 20% e daria 80% de mão beijada para o diabo?! Ninguém faria um negócio desses, quanto mais um Deus onisciente.
A verdade é que a doutrina da salvação pela fé suscita várias indagações que nunca nos pareceram satisfatoriamente respondidas.
"Como se salvaram os povos que antecederam Jesus? Pela observância da Lei? Mas ninguém jamais cumpriu a Lei, Além disso, a Lei era para o povo israelita. E os povos gentios, mais numerosos e, naturalmente, entregues à idolatria, decerto que por ignorância, antes que por maldade? Se eram também criaturas de Deus, por que estariam excluídos da salvação? E depois do Cristo, quantos milhões têm nascido e morrido no mundo inteiro sem conhecer o Evangelho? E até mesmo no seio do próprio Cristianismo, quantos milhões continuam sendo excluídos pela simples razão de, usando o raciocínio que Deus lhes deu, interpretarem o texto bíblico de maneira diversa da adotada pelas igrejas estabelecidas?
A ideia de que o mundo é um tabuleiro de xadrez gigante entre Deus e Satanás, um campo de batalhas por almas, é muito infantil; mas, infelizmente, esta é a visão dos evangélicos, pois acreditam que Deus está tentando salvar tantas almas quanto possível através da "salvação pela fé" em Jesus Cristo, e os cristãos são os seus soldados para fazer isto. Satanás está tentando levar com ele para o inferno a maior quantidade de almas possível, enganando crentes e não-crentes com a dúvida, ganância, valores materiais, crenças não cristãs, outras religiões, etc. Ambos os lados estão tentando fazer isto o quanto antes possível do Dia do Julgamento, quando o mundo será destruído e os salvos serão enviados para o céu enquanto os não-salvos para o inferno...
A grande verdade é que o conceito de céu e inferno nem ao menos existia na maior parte do período bíblico e só se integrou à Bíblia em sua última terça parte. O conceito do "inferno" para os pecadores não fazia parte da tradição dos judeus. Ele se desenvolveu na Bíblia, a partir do período de Daniel. Naquele tempo, os judeus estavam vivendo como cativos dos persas, que tinham uma religião chamada Zoroastrismo. O Zoroastrismo é conhecido pelos historiadores religiosos como a primeira religião a ter o conceito de céu e inferno. A Bíblia originalmente não tinha tal conceito ...e encontrassem com seguidores do Zoroastrismo. Isto significa que este conceito foi adotado de uma outra religião. O Zoroastrismo trouxe outros conceitos para a Bíblia, tais como o conceito de Satanás, ressurreição física dos mortos, e um julgamento final do mundo. A Grolier Multimedia
Quanto ao Novo Testamento não podemos deixar de levar em consideração que seus autores na verdade nunca imaginaram que algum dia SEUS PRÓPRIOS escritos, cartas, ou o que quer que seja, seriam adicionados ao cânone, ou seja, passariam a ter status de "Escritura Sagrada". Basta dar uma olhada na primeira linha das Epístolas de Paulo e outros autores no Novo Testamento e você facilmente notará que o autor está endereçando a "carta" dele a uma igreja específica ou a um grupo de pessoas daquele tempo. Isto significa que é obvio que eles estavam escrevendo uma carta para certas pessoas ou congregações, para instruí-los, encorajá-los, repreendê-los; ou ainda, aplainar alguns conflitos internos. Logo, tais cartas não tinham a pretensão de ser "escrituras infalíveis" para serem colocadas em uma Bíblia e representarem a "palavra de Deus", letra a letra, a toda humanidade! Não é necessário a bons cristãos aceitar a Bíblia como "A Palavra Infalível de Deus", a fim de entender e acreditar nos ensinos de Jesus, como a compaixão universal. Os primeiros cristãos não tinham uma "Bíblia infalível" para carregar com eles -ela não havia sido nem mesmo compilada até séculos atrás. Nós devemos aceitar a Bíblia como uma relíquia histórica importante, e a semente original em que a teoria ética do mundo ocidental se desenvolveu; mas suas palavras devem ser discutidas, analisadas e avaliadas por seus méritos como escritos de homens e não de Deus.
Quando os evangélicos se utilizam de 2 Timóteo 3:16 "Toda escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça", para tentar provar que a Bíblia é a palavra de Deus, temos que lembrá- os que, quando os escritores do Novo Testamento usavam o termo "Toda escritura", estavam logicamente se referindo ao antigo Testamento ou aos Dez Mandamentos, porque, no tempo que este versículo foi escrito, os livros do Novo Testamento, como o temos hoje, não haviam sido colocados juntos ainda. Considerando que a teologia e dogmas dos evangélicos são baseados principalmente nos ensinos do Novo Testamento, vemos que 2 Timóteo 3:16 na verdade não apoia o cerne dos ensinos teológicos dos protestantes de hoje, já que a "escritura inspirada" se referia aT'nack e não ao Novo Testamento, cujos 27 livros só foram reunidos mais de 400 anos depois de Cristo.
os atos comuns da vida do Cristo, os milagres, as predições, as palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas da Igreja, sempre foram mesmo objeto de muitas controvérsias. Não é à toa que existem milhares de denominações cristãs que divergem umas das outras, cada uma achando que está com a razão, que é a "dona da verdade". Para se ter uma ideia, de acordo com The World Almanac, há por volta de 400 denominações cristãs conhecidas em todo o mundo. Entretanto, The World Christian Encyclopedia as subdivide e conta mais de 20.800 denominações que variam em suas doutrinas, práticas de sacramentos, teologia, tradições, vão de conservadoras a progressistas liberais, em diferentes extremos.
A lei de Deus está na consciência dos homens e talvez seja por isso que a "regra de ouro" - fazer ao próximo o que queremos que seja feito a nós -seja um consenso em todas as religiões e diferentes crenças.
Bibliografia consultada:
- O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Quem mudou a Bíblia e por quê - Bart D. Ehrman- Refutando Argumentos de Cristãos Fundamentalistas e Evangelistas - Winston

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